domingo, 5 de junho de 2011

MENINOS DE ONTUPAIA

Estamos a meio da manhã. O céu despeja cascatas de água no terreiro arenoso cheio de árvores frondosas, - o recreio da escola. Ao longe ribombam os trovões. É mais uma tempestade tropical. A temperatura, acima dos 30 graus, vai agora baixar. No recreio, alguns alunos despem a roupa e deliciam-se com a chuva que lhes encharca os corpos. São crianças bonitas de grandes olhos negros, pestanas reviradas. Mulheres do bairro ao lado da escola vêm com canecos e baldes apanhar a água que cai em catadupas das caleiras. É que aqui em Ontupaia a água fica longe e a que sai da torneira pública é preciso pagar. E as pessoas são muito pobres.
Andei estas semanas a percorrer as salas de aula contando histórias. Agora todos me conhecem e vêm ter comigo, estendem-me a mão, chegam-se para uma carícia. “Professora gostei muito da sua história. Conte mais”. São crianças meigas, afáveis, sempre com um grande sorriso a mostrar os dentes imaculadamente brancos. Talvez porque até há pouco tempo não tinham nem cadernos nem lápis de cor, adoram este material que veio de Portugal e, se não estamos atentos, surripiam-nos com o maior à vontade. A gente ralha, diz “ não empresto mais lápis nem folhas” e a maioria lá acaba por entregar o que escondera nos sacos ou dentro da camisa.
São meninos que não têm quase nada, em muitos casos nem mesmo para comer. “Matabichaste?”, ou seja, tomaste o pequeno almoço?” “Não”. “E ontem, jantaste?”Também não”. E alguns adormecem nas aulas para enganar a fome.
Estes são os meninos da escola de Ontupaia que chegam na primeira classe sem falar Português e que, aos poucos, vão aprendendo a nossa língua, porque nas escolas moçambicanas a língua obrigatória é mesmo o Português. Mas isso resulta num grande esforço e num fraco aproveitamento na maioria dos casos.
São também estes meninos que, no seu entusiasmo, quase nos arrancam das mãos os livros que trouxemos de Portugal (antes não havia livros cá na escola para além dos compêndios que o estado fornece e que não chegam sequer para todos). Quando não têm aulas juntam-se em grupo e pedem livros. Querem ver as figuras e os mais velhinhos esforçam-se por ler, alguns soletrando apenas.

A cada passo dou comigo a comparar o que falta a estes meninos e o entusiasmo com que aproveitam aquilo que se lhes dá, com as nossas crianças portuguesas que têm tudo e se interessam tão pouco por aquilo que têm. Não há dúvida que ter demais inibe o gosto pela procura, diminui a capacidade de apreciar o que a vida nos dá. Mas não ter nada é igualmente mau.
Agora que estamos no tempo da globalização talvez seja importante encontrar caminhos para uma mais justa e equilibrada distribuição dos recursos que superabundam num lado do globo e estão ausentes na maior parte do mundo.

Sem comentários:

Enviar um comentário